Era um dia muito movimentado, todos os clínicos do plantão mal conseguiram parar sequer para almoçar tamanha a demanda de pessoas precisando de atendimento médico. Entre um atendimento de crise de asma grave e uma tentativa de reanimação sem sucesso, recebo o sr. J, 76 anos, que me disse "dra, eu acho que eu tô com esse trem de depressão".
Suspirei.
Aquele ser com aparência frágil, com um sotaque mineiro desses gostosos de ouvir, havia esperado cerca de 3 horas para ser consultado. Ele buscou atendimento num pronto atendimento, local de emergências, para relatar tal quadro.
Perguntei se ele estava se sentindo triste, e ele respondeu: eu sou triste, sempre fui triste.
Deu até um aperto! O que eu poderia fazer por ele naquele contexto? Ao explicar que esse tipo de situação precisava de um acompanhamento ambulatorial, com uma equipe multiprofissional de preferência - com médico e psicólogo, além de toda uma avaliação clínica bem elaborada, ele me relatou que a equipe de saúde a qual ele pertence (equipe verde) estava sem médico, e ele estava esperando atendimento há bastante tempo.
Ai, ai. Escutei tudo que ele tinha pra dizer. Disse que em casa e com a família estava tudo bem, não tinha nenhum motivo específico que estivesse causando esse sentimento.
Após ouví-lo, escrevi ao posto de saúde explicando o quadro e pedindo atendimento, mesmo que por médico de outra equipe. Ele foi embora agradecido, e eu fiquei com uma angústia danada...
Ao lembrar do sr. J sinto o mesmo sentimento que ele relatou pra mim...
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Ainda bem que há escuta. A médica com sua escuta - escuta paciente. E um certo convite para que o paciente também possa escutar - escuta, paciente. O relato sensível de uma escuta médica (mas não só) que, por incrível que pareça, se faz possível e presente entre um coração e um pulmão que sofrem. A escuta alcança um corpo que sofre de cinza. A escuta também se transmite pelo olhar, pelo gesto. O agradecimento não é em vão. Que a medicina possa ainda encontrar pouso em um corpo clínico como o seu, que permite um certo laço, mesmo quando, do outro lado, as cores são poucas. Adorei o relato e a arte entremeada. Clínica médica com sensibilidade e arte! Luz!
ResponderExcluirLindas palavras! Obrigada pela escuta atenciosa e pela generosidade. Linda!
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